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terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Estrada para a Perdição - Parte 1


– Esse tormento contínuo está ficando cansativo. Eu estava no meio de estudos importantes, magia delicada que requer semanas de preparo e rituais. – Kel’Thuzad foi forçado a esperar horas até que lhe estendessem a cortesia mínima de enfrentar seus acusadores, e estava enfurecido com o insulto. Já havia muito tempo que os porta-vozes do grupo, Drenden e Modera, eram seus críticos mais ferozes. Entretanto, eles não teriam iniciado essa última inquisição sem o apoio de Antônidas, que ainda não havia dado o ar de sua graça. O que o velho estaria tramando?

                Drenden debochou:

                – É a primeira vez que ouço seu tipo de magia ser chamado de “delicado”.

                – Uma opinião ignorante de um homem ignorante – disse Kel’Thuzad com uma precisão fria.

                E então uma voz distante falou com ele, uma voz de um amigo. A esta altura, os comentários dele haviam se tornado tão familiares que pareciam seus próprios pensamentos. "Eles têm medo e inveja de você. Afinal, graças a esse novo método de estudo, você continua a adquirir conhecimento e poder".

                Houve um clarão repentino, e um carrancudo arquimago grisalho apareceu no salão. Ele trazia um pequeno baú de madeira debaixo do braço.

                – Se eu mesmo não tivesse visto, não teria acreditado. É a última vez que você abusa da nossa paciência, Kel’Thuzad.

                – Enfim, o venerável Antônidas nos faz a gentileza de aparecer. Eu estava começando a achar que você tinha ficado doente.

                – A idade o assusta, não é? – Antônidas vociferou. – Você percebe que há apenas uma alternativa.

                "Deixe que ele pense assim, se isso lhe serve de consolo."

                Um pouco mais calmo, Antônidas disse:

                – Quanto à minha saúde, não precisa ficar preocupado. Eu estava simplesmente ocupado em outro lugar.

                – Procurando indícios de magia proibida em meus aposentos? Quanta ingenuidade!

                – É verdade, seus aposentos não têm indício algum disso. Mas por outro lado, os depósitos que você possui nas terras do norte... – Antônidas olhou para ele com aversão.

                Por que esse desgraçado tem que ser tão bisbilhoteiro?

                – Você não tinha o direito...

                Antônidas bateu com seu cajado no chão, silenciando-o, e virou-se para os outro magos:
                – Ele transformou os prédios em laboratórios para realizar várias experiências ilícitas. Vejam vocês mesmos, colegas. Observem os frutos do trabalho dele. – Ele abriu o baú e o inclinou para que todos pudessem ver.

                Os restos em decomposição de vários ratos. Dois ainda arranhando desajeitadamente as laterais do baú numa tentativa fútil de escapar. Vários magos levantaram de repente, e houve um reboliço de espanto. Até mesmo o elfo altaneiro que estava sentado nos fundos da sala pareceu surpreso, embora o príncipe Kael’thas fosse um homem cuja idade tornasse esse feito quase impossível.

                Olhando os ratos presos, Kel’Thuzad viu que eles haviam tombado e tinham parado de se mexer. Mais um fracasso, pelo jeito. Não importava. Algum dia ele criaria uma espécie morta-viva estável. O esforço dele seria justificado. Era só uma questão de tempo.

                "Algumas coisas ainda precisam ser aperfeiçoadas no feitiço que faz calar. Quer que eu mostre como fazer isso?" O tempo, e seu aliado desconhecido, cuja voz enigmática às vezes o ajudava a se aproximar de sua meta. "Mostre-me", ele pensou.

                Uma jovem mulher chegou em outro clarão de luz. Enquanto ela se aproximava de Antônidas, o olhar do elfo altaneiro a seguia com uma intensidade inquieta. Mas Jaina Proudmore nem reparou; ela estava totalmente concentrada em suas obrigações. O belo príncipe não tinha a menor chance.

                Ela lançou um olhar curioso de relance em direção a Kel’Thuzad com seus intensos olhos azuis. Ela pegou a caixa de Antônidas, que explicou:

                – Minha aprendiz cuidará para que o baú e seu conteúdo sejam incinerados.

                A mulher inclinou a cabeça e se teleportou da sala. De outro lado da sala, o elfo altaneiro olhou com desagrado para o lugar que ela desocupou. Em outras circunstâncias, Kel’Thuzad até acharia o drama silencioso divertido. Contudo, incontestado, Antônidas continuava com sua falação. Borbulhando de raiva em silêncio, Kel’Thuzad retomou o empenho para se libertar.

                – Nós permitimos a situação atual por tempo demais. Nós o repreendemos ocasionalmente pelas suas atividades mais suspeitas. Tentamos guiá-lo. Agora descobrimos que ele tem praticado magia negra. O nome Kirin Tor está se tornando uma blasfêmia nos lábios dos aldeões daqui.

                – É mentira! – Kel’Thuzad explodiu, voltando a atrair a simpatia de alguns dos magos, que aguardavam uma explicação dele. – Os camponeses se lembram da Segunda Guerra tão bem quanto nós. Diga o que quiser dos orcs, mas seus magos tinham grande poder. Poder contra o qual nós dispúnhamos de pouca defesa. Nós temos uma obrigação: precisamos aprender a ter e a combater essas magias nós mesmos.

                – A fim de formar um exército de ratos mortos, a existência inatural deles medidas em horas? – perguntou Antônidas de maneira seca. – Sim, meu jovem, eu também encontrei os seus diários. Você manteve registros detalhados dessa iniciativa abominável. Você não pode realmente pretender usar essas criaturas ridículas contra os orcs. Supondo, é claro, que os orcs saiam um dia da letargia atual em que se encontram, escapem dos campos de concentração e, de alguma forma, voltem a ser uma ameaça.

                – O fato de eu ser mais novo do que você dificilmente me torna um jovem – retrucou Kel’Thuzad. – Quanto aos ratos, eles são um indicador pelo qual meço meu progresso. É uma técnica experimental padrão.

                Um suspiro.

                – Sei que você passa a maior parte do tempo no norte hoje em dia. Suas longas ausências foram a primeira coisa que me chamaram a atenção. Mesmo assim, até você já deve ter ouvido que o novo imposto do rei fomentou uma agitação civil. Sua busca egoísta por poder pode causar uma revolta dos camponeses. Lordaeron mergulharia numa guerra civil.

                Ele não tinha conhecimento do imposto. Antônidas deve estar exagerando. Além disso, magos de verdade se concentrariam em questões de maior relevância.

                – Eu serei mais discreto – ele propôs, entredentes.

                – Discrição alguma conseguiria ocultar tamanho segredo – disse Drenden.
                Modera acrescentou:

                – Você sabe que sempre vivemos uma situação instável para proteger o nosso povo sem nos tornarmos, nós mesmos, um perigo. Não ousamos sacrificar a nossa humanidade, nem em sua aparência e certamente nem em sua essência. Na melhor das hipóteses, seus métodos fariam com que fôssemos condenados como hereges.

                Era demais.

                – Há séculos que nos chamam de hereges. A igreja nunca aprovou os nossos métodos. Apesar dessas opiniões, cá estamos nós.

                Ela concordou:

                – Porque evitamos a magia negra, que leva à corrupção e à catástrofe.
                – Porque nós somos necessários!

                – Basta. – Antônidas parecia esgotado. Para Modera e Drenden, ele acrescentou: – Se apenas palavras pudessem influenciá-lo, elas já o teriam feito.

                – Eu escutei suas palavras – exasperou-se Kel’Thuzad. – Deuses misericordiosos, eu as escutei até não poder mais! São vocês que não me escutam e não colocam de lado seus antiquados med...

                – Você confunde nosso propósito aqui – interrompeu Antônidas. – Isto não é um debate. 

Neste exato momento, seus pertences estão sendo inteiramente revistados. Todos os itens maculados por magia negra serão confiscados e destruídos depois que os tivermos identificados satisfatoriamente.

                Seu aliado sem nome o avisara de que isso poderia acontecer, mas Kel’Thuzad não acreditara. Estranho. Ele se sentia quase aliviado de que tivesse chegado a isso. A necessidade de sigilo havia limitado a extensão do seu trabalho, retardado seu progresso.

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