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terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Estrada para a Perdição - Parte 2

– Considerando as provas – Antônidas disse ponderadamente –, o rei Terenas concordou com nosso julgamento. Se não deixar de lado essa loucura, você será despojado de sua posição e suas propriedades, e será exilado de Dalaran, aliás, de toda Lordaeron.

                Com o espírito inquieto, Kel’Thuzad curvou-se e retirou-se do salão. Certamente o Kirin Tor estava mantendo segredo sobre sua dita desgraça, temendo repercussões caso suas ações viessem a público. Pelo menos uma vez, a covardia deles lhe seria favorável. Sua riqueza nunca iria revestir os cofres do rei.                         

                * * * * *

                Um bando de lobos seguiu Kel’Thuzad por léguas, a uma distância fora do alcance de feitiços, antes de ficarem para trás. Olhando por cima dos ombros, ele os viu rosnar e abaixar as orelhas antes de saírem correndo. Felizmente, os ventos árticos também estavam se dissipando. À distância, ele conseguia vislumbrar o cume, um pináculo gélido, cuja visão lhe deu uma sensação de triunfo e agouro: o próprio pico da Coroa de Gelo. Poucos exploradores haviam se aventurado pela geleira, e um número ainda menor havia sobrevivido para contar. Mas ele, Kel’Thuzad, escalaria sozinho até o topo e olharia com desprezo para o resto do mundo.

                Infelizmente quase não existia mapas do continente gelado de Nortúndria, e ele os considerava lamentavelmente inadequados, como os suprimentos que ele havia embalado orgulhosamente para esta jornada. Sem ter certeza do caminho à frente nem do seu destino final, ele não podia se teleportar. Sem se poupar, ele cambaleava para diante. Ele já havia perdido a noção de há quanto tempo estava andando. Apesar de seu manto forrado de pelame, ele tremia incontrolavelmente. Suas pernas pareciam pilares de pedra: desajeitadas e dormentes. Seu corpo começava a falhar. Se não encontrasse logo um abrigo, ele acabaria morrendo.

                Por fim, um lampejo atraiu seu olhar: um obelisco de pedra esculpido com símbolos mágicos, com uma cidadela atrás. Enfim! Ele passou depressa pelo obelisco e atravessou uma ponte do que parecia ser pura energia. Os portões da cidadela se abriram quando se aproximou, mas ele parou abruptamente.

                A entrada estava protegida por duas criaturas grotescas que pareciam aranhas gigantes da cintura para baixo. Seis pernas finas serviam de apoio ao peso das criaturas; os dois outros membros estavam presos como braços a um tronco vagamente humanoide. Entretanto, ainda mais fascinantes do que as próprias criaturas era o estado delas. Os corpos exibiam uma coleção de feridas abertas, sendo que a pior delas havia sido enfaixada de forma tosca. Os braços de um dos guardas estavam dobrados em ângulos improváveis. Linfa escoava da boca com presas do outro, mas o guarda nem se preocupava em limpar.

                Apesar do fedor familiar da morte-viva, os guardas não demonstravam sinal de confusão, ao contrário dos ratos de Kel’Thuzad. As criaturas araneiformes devem ter conservado a maior parte da coordenação e força original. Caso contrário, elas seriam guardas ruins. O criador delas era, sem dúvida, um necromante habilidoso.

                Para sua surpresa, elas abriram caminho para ele passar. Sem querer questionar sua sorte, ele entrou com prazer na cidadela, onde a temperatura estava bem mais quente. No corredor à frente, havia uma estátua quebrada de uma das criaturas metade aranha. O prédio havia sido construído recentemente, mas a estátua era bastante antiga. Pensando bem, ele havia visto estátuas parecidas em ruínas antigas pelas quais passara em direção ao norte. O frio estava diminuindo sua inteligência.
                Seu palpite era de que o necromante havia conquistado um reino desses seres araneiformes, convertido-os à morte-viva com êxito e tomado os tesouros deles como espólio de guerra. Ele exultou. Ele certamente aprenderia grandes coisas aqui.

                No final do corredor, uma criatura gigantesca arrastou-se até seu campo de visão: uma combinação grotesca de besouro e aranha. Ela aproximou-se dele com passo deliberado, e Kel’Thuzad observou que seu corpo imenso exibia uma quantidade ainda maior de ferimentos e bandagens. Assim como os guardas, a criatura era morta-viva, mas seu mero tamanho fez com que ele ficasse mais assustado do que impressionado. Ele duvidava que tivesse habilidade suficiente para dominar tal monstro, muito menos fazê-lo ressuscitar dos mortos.

                A criatura o saudou com uma voz grave que reverberava em seu corpo ponderoso. Embora ela falasse a língua comum de forma perfeitamente compreensível, o som o arrepiou, pois suas palavras traíam zumbidos e estalidos estranhos:

                – O mestre o estava aguardando, arquimago. Eu sou Anub’arak.

                A criatura tinha tanto inteligência quanto habilidade motora para utilizar a fala, impressionante!

                – Sim. Eu desejo ser aprendiz dele.

                A enorme criatura simplesmente olhou para baixo na direção dele. Talvez ela estivesse imaginando se deveria ou não fazer um saboroso lanche.

                Ele pigarreou nervosamente:

                – Posso vê-lo?

                – Quando chegar a hora. – Anub’arak ribombou. – Até agora, você devotou sua vida à busca do conhecimento. Uma meta admirável. Mas mesmo assim, as suas experiências como mago não podem ter lhe preparado para servir o mestre.

                O que poderia ter inspirado tal fala? Será que o senescal considerava Kel’Thuzad um rival? Esse era um conceito errôneo que deveria ser afastado o quanto antes.

                – Como ex-integrante do Kirin Tor, eu tenho mais magia sob meu comando do que você poderia imaginar. Estou mais do que preparado para quaisquer tarefas que o mestre tenha para mim.

                – Veremos.

                Anub’arak o conduziu por vários túneis que os levaram para bem dentro da terra.

Finalmente, Kel’Thuzad e seu guia emergiram em um vasto zigurate cujo o nome, de acordo com Anub’arak, era Naxxramas. Pela sua arquitetura, a construção era outro produto das criaturas metade aranhas. De fato, as primeiras câmaras que Anub’arak lhe mostrou estavam povoadas pelas coisas mortas-vivas, que rapidamente deixaram de ser novidade. Aranhas de verdade também agitavam-se aqui e acolá entre as mortas-vivas, ocupadas em tecer teias e pôr ovos.

                Kel’Thuzad ocultou sua repugnância, negando ao enorme senescal tal satisfação. Ao indicar uma das coisas araneiformes mortas-vivas, ele disse:

                – Vocês têm certa semelhança. Todos vocês derivam da mesma raça?

                – Da raça nerubiana, sim. E então o mestre apareceu. Conforme a influência dele se espalhou, nós lutamos contra ele, acreditando tolamente que tínhamos alguma chance. Muitos de nós fomos mortos e trazidos à morte-viva. Em vida, eu fui um rei. Hoje, sou um senhor da cripta.

                – Em troca da imortalidade, você concordou em servi-lo – Kel’Thuzad refletiu em voz alta. Extraordinário.

                – “Concordar” implica escolha.

                O que significava que o necromante podia compelir obediência dos mortos-vivos. Talvez Kel’Thuzad fosse o primeiro ser vivo a vir aqui de livre e espontânea vontade. Vagamente inquieto, ele mudou de assunto:

                – Este lugar está repleto do seu povo. Presumo que você mande aqui.

                – Depois da minha morte, eu liderei meus irmãos na conquista deste zigurate para o nosso novo mestre. Eu supervisionei o processo de alteração disso aqui para servir ao projeto dele. Contudo, Naxxramas não está sob minha autoridade. Nem o meu povo é o único ocupante daqui. Esta é apenas uma ala das quatro existentes.

                – Nesse caso, guie-me, senhor da cripta. Mostre-me o resto.    
             
                * * * * *

                A segunda ala era tudo que Kel’Thuzad poderia esperar. Artefatos mágicos, equipamento de laboratório e outros petrechos que humilhariam seu antigo laboratório. Salas imensas que poderiam conter um verdadeiro exército de assistentes. Feras mortas-vivas que foram engenhosamente remendadas a partir de uma miscelânea de animais e reanimadas. Havia até mesmo alguns humanoides mortos-vivos compostos de membros de humanos variados. Os membros humanos não exibiam ferimentos: ao contrário dos nerubianos, os humanos não haviam lutado contra o destino. O necromante deve ter conseguido os cadáveres em um cemitério local. Fora prudente ao evitar chamar a atenção, pois o Kirin Tor teria tomado uma atitude imediatamente.

                Infelizmente, a terceira ala se revelou menos interessante. Anub’arak mostrou a ele uma armaria e uma área para treinamento de combate. Depois, o senhor da cripta o conduziu por câmaras cheias de centenas, não, milhares de barris lacrados e caixotes de embarque. Por que Naxxramas precisaria de tantas provisões? Bem, a pirâmide estava bem estocada na eventualidade de ser sitiada.

                Finalmente, ele e Anub’arak chegaram à última ala. Cogumelos gigantes brotavam num jardim e exalavam gases nocivos que deixaram Kel’Thuzad enjoado. O solo abaixo de cada cogumelo parecia insalubre, possivelmente doente. Ao se aproximar para inspecionar, ele pisou em alguma coisa que esguichou: uma criatura do tamanho de um punho que parecia uma larva.

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